Quando se fala em dependências, esquece-se que o patamar anterior pode ser (e é) o da prevenção. A adoção deste principio tem em si intrínseco a premissa de que, ao falar-se de dependências se deve atuar a montante e não a jusante. E este foi o principio que, “por ousadia” levou o renomeado médico psiquiatra Dr. Luís Patrício a criar “A Mala da Prevenção”, e com ela, sair da simples divulgação das consequências das dependências, elevando-o para o patamar da prevenção, baseado na pedagogia.
Uma conversa que pretende abrir o apetite para a Ação de Formação (gratuita) que o Dr. Luís Patrício vai trazer ao Auditório da Junta de Freguesia de Amora, no dia 2 de Abril e à qual não vai querer faltar!
JFA - Como surge este projeto "Mala da Prevenção" e que pressupostos tem como basilares?
LP - Surge como ousadia, na passada década de 90, na sequência de entender a necessidade de fazer diferente e de forma interactiva, a partilha do conhecimento e o questionamento das dúvidas sobre o que se chamava “problemática das drogas”. Parecia-me então que seria / era necessário, e ainda continua a ser necessário, sair da divulgação dos efeitos, mitos e medos, sair da “diabolização ou beatificação das drogas”, das suas consequências, para aumentar o conhecimento da verdade e as responsabilidades de todos. Desde sempre defendemos que a informação, a formação e a Educação, são valores conciliáveis. A verdade credibiliza.
A Mala da Prevenção é um utensílio pedagógico. Foi assim criado porque a pedagogia faz falta. E faz muita falta na promoção e defesa da Educação para a Saúde e do Bem-estar e na Prevenção de comportamentos e atitudes de risco para a saúde individual, familiar, social, comunitária e ambiental. Os comportamentos de risco para a saúde podem estar ou não associados ao consumo, mau uso e abuso de substâncias psicoactivas legais ou ilegais e a outros abusos ou consumo abusivo de comportamentos de risco par a Saúde. Assim sendo, entendemos que é importante intervir para educar. Mas com que meios? E importa questionar qual é o saber que têm os pais que são educadores? Qual é o saber que têm os professores que são educadores? Qual é o saber que têm as crianças e os jovens?
A formação com a Mala da Prevenção é um exercício de reflexão, em modelo interativo, que pretende criar prazer com a aprendizagem da Prevenção, utilizando objectos e jogos, que mediatizem ideias e facilitem a transmissão da mensagem e a aquisição dos conhecimentos. Pretende ser um estímulo ao pensamento e à compreensão para aumentar o conhecimento e a responsabilidade. Apresenta-se em três modelos:
A. Para Profissionais de Saúde
B. Para Profissionais de Ensino
C. Para Familiares/Educadores
Defendemos que são prova, testemunhos de Educação, usufruir e estimar a vida com prazer, praticar atitudes de Prevenção ante os riscos, querer recuperar de danos já corridos. Assim se ficará mais robusto para melhor reagir face a consumos perigosos, danosos, e face a outros comportamentos de risco para a saúde
JFA - A prevenção continua a ser a arma mais esquecida, e poderá ser a mais eficaz, em termos de Saúde. Que justificações encontra para tal?
LP - Vivemos numa sociedade muito avançada em certos conhecimentos. Mas também muito poluída em certos mitos e ocultações. O consumismo, o consumo do excesso, do abuso (uso com dano), seja de produtos ou de comportamentos (legais ou ilegais) manipula e, todos estamos sujeitos a ser manipulados. E, para a Saúde e Bem-estar, o maior risco é a ignorância. O consumismo, consumo de abuso, desgasta a saúde. Se no âmbito global, a promoção / sedução para o mau uso e abuso de comportamentos aditivos não está por fora dos interesses das estratégias geopolíticas e económicas, (substâncias legais e ilegais, compras, jogo, sexo, écrans, etc.), pelo menos no âmbito regional e local (e em nossa casa), há que fazer face ao consumismo, educando e reforçando o interesse na dimensão sanitária e social.
JFA - Falaremos de Saúde Mental na ação que trará à Freguesia de Amora. Nunca antes se falou tanto e tão abertamente do tema. Ainda assim, os dados mostram que tem de haver ainda uma maior prevenção e abertura de diálogo sobre este tema, certo?
LP - O consumismo não promove o equilíbrio e desgasta dinheiro e saúde. Quando falamos de Saúde falamos de equilíbrio. O consumismo conduz ao desequilíbrio, individual e social. É gerador de assimetrias, é gerador de muito desperdício. Tem características que podem agredir a saúde física e mental das pessoas, a família, o meio escolar e laboral, o ambiente em que vivemos, e que protegemos ou que agredimos. Hoje sabemos bastante mais do sabíamos há meio século. A Prevenção tem que estar adaptada a estes conhecimentos, às novas verdades. E os tratamentos também.
JFA - A Mala da Prevenção alia duas frentes que considera essenciais: Educação e Saúde. Desde o início deste projeto: que mudanças de atitude já assistiu junto dos profissionais desta área e não só e que mudanças, em termos de políticas e acções de prevenção, ainda gostava que fossem encetadas e por quem?
LP - De início a Prevenção era, na parte menos conseguida, mas que foi realidade, uma espécie de intervenção moral até com menos verdade, seguindo-se a difusão de uma espécie de dicionário de efeitos maléficos de substâncias e da promoção de actividades para desenvolver hábitos e estilos de vida saudáveis. Percebeu-se que falar dos efeitos das substâncias não resultou como se desejou: muitas vezes “saía como divulgação”, feita muitas vezes por quem nem tinha conhecimentos, o que desacreditava. Percebeu-se que a Prevenção não pode estar fora da Saúde nem fora da Educação. E para tal as pessoas têm que ter formação. Ninguém nasce ensinado. Pelo menos há que reconhecer o valor que tem a proximidade no âmbito das Políticas Locais (Autarquia), Saúde (Centro de Saúde), Educação e Ensino (Escolas), Ambiente local (múltiplas estruturas Comunitárias, e de Cidadania (estruturas de Segurança e Controlo). E há que reconhecer que a Saúde e a Educação têm que estar juntas com a Família, a Escola, e na Comunidade num conceito alargado. O exemplo vem de “cima” e a responsabilidade também. Os políticos têm que reconhecer e ouvir os técnicos para melhor poderem decidir, optar.
JFA - Como analisa os dados da Saúde Mental junto de população cada vez mais jovem?
LP - Podemos perceber o nível de formação ou de ignorância ou o nível de bem-estar ou de consumismo, nos adolescentes e jovens nascidos neste século. Que saber lhes foi transmitido até ao presente pelos familiares e educadores? As mudanças de comportamento evidenciam Saúde e Bem-estar ou a procura de saídas para algum mal-estar, desassossego ou inquietação? No viver contemporâneo qual é o “peso” dos écrans e do uso de substâncias psicoactivas (legais ou ilegais) nas formas de ver e sentir as realidades? Neste século tem sido é inegável o crescimento da “febre dos écrans”, do abuso de bebidas com álcool, do consumo de canábis de qualidade desconhecida, do consumo de substâncias sintéticas desconhecidas e a aflição de muitos familiares e a inquietação de muitos professores. E as gerações que precederam estes jovens deste século, porventura os seus pais e, porventura até, actuais dirigentes nas comunidades, que valores interiorizaram no âmbito da Educação para a Saúde e do Bem-estar e na Prevenção de comportamentos e atitudes de risco para a saúde individual, familiar, social, comunitária e ambiental? Como os têm partilhado? Que conhecimentos têm? Que incongruências revelam? Se beneficiam em ser ajudados quem os ajuda?
JFA -Entre Saúde Mental e Dependências há uma correlação directa? E ao que é que os pares devem estar atentos neste prisma?
LP - Há que compreender o porquê do que acontece perante comportamentos de risco para a Saúde e Bem-estar, desde o uso sem danos ao uso danoso, ao consumismo, e à dependência de substâncias ou de ouros comportamentos de risco. A dependência é um dano, é um dos dos danos consequência de um mau uso. Saliente-se o exemplo do álcool, um químico neurotóxico muito consumido e legalizado na nossa sociedade. O álcool pode provocar mais de 60 doenças a evitar. Mas uma é muito desejada muitas vezes: é a bebedeira ou intoxicação aguda e em sua sequência obtém-se uma outra doença, a ressaca, que impede uma pessoa de trabalhar. Ambas surgem rapidamente. Mas outras doenças provocadas pelo abuso de álcool instalam-se mais lentamente: e são muitas, dezenas, como por exemplo, a dependência alcoólica, a impotência alcoólica, a demência alcoólica, a polineuropatia alcoólica, a miocardiopatia alcoólica, a pancreatite alcoólica, a hepatite alcoólica, psicose alcoólica, muitos cancros, etc. Perante o risco ou a doença, muitas vezes é a ignorância que se revela e a pressão social que pressiona o consumidor, mesmo através de uma inocência de uma qualquer diversão. Veja-se por exemplo o consumismo de raspadinha e o bom conselho jogue com moderação. Há quem faça consumos ou comportamentos de risco para a saúde, para tentar sentir-se melhor. Na maioria das vezes são consumidas não uma mas diversas substâncias, para procurar aliviar perturbações da ansiedade e do humor. Isto não é raro. E se assim acontece isso significa que quem usa já não se estaria a sentir bem. Mas há quem tenha este tipo de comportamentos porque sofre ainda mais se os não fizer. E se assim for significa que pode estar dependente. E se assim for, faz o uso para tentar aliviar a falta, mas… piora cada vez mais. Não resolve: adia e agrava. Havendo dependência instalada (sofrimento intenso por falta de uso e que alivia ao usar uma vez mais), importa saber que outros sofrimentos estão por detrás ou ao lado ou até, antes da dependência se instalar. Por vezes não é fácil saber, diagnosticar e tratar adequadamente. É um assunto de saúde. Por isso não se pode “fazer qualquer coisa”, mas sim exigir toda a competência médica. Mesmo não estando instalada a dependência, há manifestamente perturbações mentais, sofrimento individual e familiar, com origem no consumo de substâncias e de outros comportamentos de risco. Reconhecendo a verdade da realidade, veja-se o que se passa no nosso bairro com álcool, medicamentos de abuso e com o jogo, tudo legalizado; ou com substâncias ilegalizadas, sintéticas, canábis, cocaína, etc. Mas, pelo menos para quem sofra, nada disto é (como se diz no Brasil) “legal” para a saúde individual e familiar ou muitas vezes para o bem-estar social/comunitário/ambiental. Aprender é preciso. Responsabilizar com conhecimento também. Droga é a ignorância.
Dados biográficos:
Luís Patrício é um dos mais destacados especialistas nacionais na área das patologias aditivas.
Natural de Mação, é autor de programas pedagógicos em televisão, rádio e imprensa, tendo publicado seis livros. Criou o projecto “Mala da Prevenção”, além de um blogue com o mesmo nome.
Foi diretor do Centro de Recuperação das Taipas, em Lisboa, até 2008.
Dirigiu a Unidade de Aditologia e Patologia Dual, na Casa de Saúde de Carnaxide (2011 a 2018).
Recebeu a medalha de prata por Serviços Distintos do Ministério da Saúde (2008); foi galardoado, em Zagreb, pela Associação Europeia EUROPAD, com o Europad Chimera Award (2010), e em Filadélfia pela Associação Americana AATOD, com o Nyswander/Dole “Marie” Award (2013).
Programa da Ação de Formação (gratuita)
2 Abril 2022 | Auditório JFAmora
Acção de Formação para Profissionais (Educação, Saúde e Outros Agentes)
9h30
Acolhimento
10h - 11h00
Apresentação da Mala da Prevenção: oportunidade, objetivos e objetos.
11h - 12h
Educação, Família, Aditologia:
Reflexões para Pais
12h00 - 12h30
Desmitificar e desmistificar a droga
Acção de Formação para Público em Geral (Jovens, Encarregados de Educação, Famílias)
14h00
Aula de Taichi, com ADSDBelverde
14h30 - 15h30
Mala da Prevenção: Desdobrar para Refletir e Prevenir (para crianças, adolescentes, adultos e séniores)
15h30 - 17h30
Comportamentos com risco e comportamentos aditivos: abuso de substâncias, de compras e de internet
17h30 - 18h00
Encerramento grupo Arte Dance, ACD Azinhaga das Paivas